Diagnóstico Integrado em Neuropatologia: A Chave para um Manejo Preciso de Doenças Neurológicas
Publicado em: 22/05/2025, 11:12

O diagnóstico integrado em neuropatologia representa uma abordagem multidisciplinar que combina exames radiológicos, informações clínicas e análises moleculares para estabelecer um diagnóstico preciso e personalizado. Em neuropatologia, surgiu da necessidade de aprimorar a precisão diagnóstica e o manejo de doenças neurológicas complexas, especialmente tumores cerebrais, que apresentam uma grande heterogeneidade clínica, radiológica e molecular. Esse conceito foi formalizado e popularizado com a 5ª edição da Classificação de Tumores do Sistema Nervoso Central da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicada em 2021, que introduziu uma abordagem integrada, combinando histologia, características radiológicas, dados clínicos e análises moleculares. Para médicos, compreender esse conceito é fundamental, pois influencia diretamente a decisão terapêutica e o prognóstico do paciente.
O que é diagnóstico integrado?
O diagnóstico integrado é um processo que sintetiza informações de diversas fontes para criar uma visão holística da doença. Na neuropatologia, isso inclui:
- Exames radiológicos
- Informações clínicas
- Análises moleculares
Origens do Conceito
Evolução da Neuropatologia:
- Tradicionalmente, o diagnóstico de tumores cerebrais era baseado principalmente na histologia (aspecto microscópico do tecido).
- Com o avanço das técnicas de imagem (ressonância magnética, tomografia computadorizada) e da biologia molecular, tornou-se evidente que a histologia sozinha não era suficiente para classificar muitos tumores de forma precisa.
Descobertas Moleculares³:
- A identificação de mutações e alterações moleculares específicas em tumores cerebrais (ex.: mutações em IDH1, H3K27M, fusões BRAF-KIAA1549) mostrou que esses marcadores têm implicações prognósticas e terapêuticas significativas.
- Por exemplo, gliomas com mutação IDH1 têm um prognóstico melhor do que gliomas sem essa mutação, mesmo que sejam histologicamente semelhantes.
Classificação da OMS (2016 e 2021):
A 4ª edição da Classificação da OMS (2016) foi a primeira a incorporar critérios moleculares, como a mutação IDH1 e a codeleção 1p/19q, para classificar gliomas.
A 5ª edição (2021) consolidou o conceito de diagnóstico integrado, enfatizando a necessidade de combinar histologia, características radiológicas, dados clínicos e análises moleculares para um diagnóstico mais preciso.
Exemplos da Necessidade das Informações Clínicas e Radiológicas
As informações clínicas e radiológicas são essenciais para um diagnóstico preciso. Dois exemplos ilustram bem essa importância:
- Meduloblastoma: Esse tumor embrionário é mais comum em crianças e jovens adultos. O aspecto histológico e imuno-histoquímico do meduloblastoma pode ser indistinguível de outras neoplasias embrionárias, como o pineoblastoma. Ambos são tumores neuroectodérmicos primitivos e compartilham características histopatológicas, como a presença de rosetas de Homer Wright, e apresentam células pequenas e azuladas, com alta atividade proliferativa e expressão de marcadores como sinaptofisina e NSE. Nesse contexto, a correlação com os achados radiológicos é imprescindível. O meduloblastoma surge no cerebelo (fossa posterior), enquanto o pineoblastoma ocorre na região da glândula pineal. A RM é fundamental para diferenciar essas lesões e direcionar o diagnóstico.
- Glioma Difuso de Linha Média (DMG): Esse tumor agressivo ocorre principalmente em crianças e está frequentemente associado a mutações no gene H3K27M. No entanto, a mutação H3K27M não é exclusiva neoplasia. Outros gliomas infiltrativos4, gliomas circunscritos como ependimomas5, astrocitomas pilocíticos6 e gangliogliomas7 podem, ainda que raramente, expressaressa mesma mutação. Os critérios para o diagnóstico de glioma difuso de linha média, portanto, engloba 3 distintas características: radiológica (localização na linha média), histológica (glioma infiltrativo) e molecular (mutação H3K27M). Sem essa integração, o DMG pode ser confundido com outros gliomas, levando a um manejo inadequado.
A Importância da Fixação das Amostras
A qualidade das reações imuno-histoquímicas e dos testes moleculares depende diretamente de como o tecido é fixado. O formalina tamponada a 10% é o padrão-ouro, mas o tempo de fixação é crítico. Recomenda-se um tempo mínimo de 6 horas e um máximo de 48 a 72 horas para evitar prejuízos nas reações.
- Fixação insuficiente (< 6 horas): Pode levar à perda de antígenos, resultando em falsos negativos na imuno-histoquímica. Por exemplo, a detecção de marcadores como IDH1 ou ATRX pode ser comprometida.
- Fixação prolongada (> 72 horas): Pode causar mascaramento antigênico, dificultando a detecção de marcadores moleculares. Isso é especialmente relevante em tumores cerebrais, em que marcadores como H3K27M (no DMG) são fundamentais para o diagnóstico.
Exemplos Práticos de Análises Moleculares
As análises moleculares são fundamentais para o diagnóstico e tratamento. Por exemplo:
- Classificação de meduloblastoma: A identificação de mutações no gene WNT ou SHH permite classificar o tumor em subtipos com diferentes prognósticos e respostas ao tratamento. A classificação molecular de meduloblastomas apresenta melhor correlação prognóstica que a classificação histológica isoladamente¹. Essa análise pode ser realizada por NanoString. Contudo, a adequada fixação é fundamental para que o resultado desse teste seja confiável.
- Graduação de astrocitomas: Astrocitomas são gliomas infiltrativos que, por definição, requerem a presença de mutação IDH. A graduação dessas neoplasias atualmente varia de 2 a 4 e não está restrita aos achados histológicos. Astrocitomas que histologicamente seriam classificados como graus 2 ou 3 podem se comportar como astrocitomas grau 4 ante a presença de deleção homozigótica CDKN2A/B¹. Assim, além do diagnóstico, a graduação de astrocitomas requer avaliação molecular.
- Predição de resposta de glioblastomas: Glioblastomas são gliomas infiltrativos do tipo adulto que, por definição, são IDH selvagens. A resposta terapêutica a agentes alquilantes pode estar relacionada à presença de metilação MGMT8. Essa avaliação pode ser realizada por testes moleculares e influenciar na decisão do uso de determinadas drogas pelo oncologista.
Conclusão
O diagnóstico integrado em neuropatologia é uma ferramenta poderosa que combina exames radiológicos, informações clínicas e análises moleculares para oferecer um diagnóstico preciso e personalizado. À medida que os conhecimentos nessa área avançam, novos marcadores tornam-se necessários para o diagnóstico, prognóstico e/ou avaliação de resposta terapêutica. Para médicos, compreender essa abordagem é essencial para otimizar o tratamento dos pacientes. A atenção ao processo de fixação das amostras e o fornecimento de dados clínicos e radiológicos na requisição médica são procedimentos fundamentais para um resultado rápido e preciso.
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Referências Bibliográficas
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